terça-feira, 25 de março de 2014

Análise: Circuito Fechado - Ricardo Ramos

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Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina,sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapo. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, bloco de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetor de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras. Cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, chinelos. Vaso, descarga, pia, água, escova, creme dental, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.

2

Dentes, cabelos, um pouco do ouvido esquerdo e da visão. A memória intermediária, não a de muito longe nem a de ontem. Parentes, amigos, por morte, distância, desvio. Livros, de empréstimo, esquecimento e mudança. Mulheres também, como os seus temas. Móveis, imóveis, roupas, terrenos, relógios, paisagens, os bens da infância, do caminho, do entendimento. Flores e frutos, a cada ano, chegando e se despedindo, quem sabe não virão mais, como o jasmim no muro, as romãs encarnadas, os pés de pau. Luzes, do candeeiro ao vaga-lume. Várias vozes, conversando, contando, chamando, e seus ecos, na música, seu registro. Várias vozes, conversando, contando, chamando, e seus ecos, sua música, seu registro. O alfinete das primeiras gravatas e o sentimento delas. A letra das canções que foram importantes. Um par de alpercatas, uns sapatos pretos de verniz, outros marrons de sola dupla. Todas as descobertas, no feitio de crescerem e se reduzirem depois, acomodadas em convívio, costumes, a personagem, o fato, a amiga. As idéias, as atitudes, as posições, com a sua revisada, apagada consciência. O distintivo sem cor nem formato. Qualquer experiência, de profissão, de gosto, de vida, que se nivela incorporada, nunca depois, quando é preciso tomá-la entre os dedos como um fio e atá-la. Os bondes, os trilhos. As caixas-d’água, os cata-ventos. Os porta-chapéus, as cantoneiras. Palavras, que foram saindo, riscadas, esquecidas. Vaga praia, procissão, sabor de milho, manhã, o calor passado não adormecia. Um cheiro urbano, depois da chuva no asfalto, com o namoro que arredondava as árvores. Ansiedade, ou timidez, mais antes e após, sons que subiam pela janela entrando muito agudos, ou muito mornos. Sino, apito de trem. Os rostos, as páginas. Lugares, lacunas. Por que não instantes? As sensações, todas as de não guardar. O retrato 
mudando na parede, no espelho. Desbotando. Os dias, não as noites, são o que mais ficou perdido.

3

Muito prazer. Por favor, quer ver o meu saldo? Acho que sim. Que bom telefonar, foi ótimo, agora mesmo estava pensando em você. Puro, com gelo. Passe mais tarde, ainda não fiz, não está pronto. Amanhã eu ligo, e digo alguma coisa. Guarde o troco. Penso que sim. Este mês, não, fica para o outro. Desculpe, não me lembrei. Veja logo a conta, sim? É uma pena, mas hoje não posso, tenho um jantar. Vinte litros, da comum. Acho que não. Nas próximas férias, vou até lá, de carro. Gosto mais assim, com azul. Bem, obrigado, e você? Feitas as contas, estava errado. Creio que não. Já, pode levar. Ontem aquele calor, hoje chovendo. Não filha, não é assim que se faz. Onde está minha camisa amarela? Às vezes, só quando faz frio. Penso que não. Vamos indo, naquela base. Que é que você tem? Se for preciso, dou um pulo aí. Amanhã eu telefono e marco, mas fica logo combinado, quase certo. Sim, é um pessoal muito simpático. Foi por acaso, uma coincidência. Não deixe de ver. Quanto mais quente melhor. Não, não é bem assim. Morreu, coitado, faz dois meses. Você não reparou que é outra? Salve, lindos pendões. Mas que esperança. Nem sim, nem não, muito pelo contrário. Como é que que eu vou saber? Antes corto o cabelo, depois passo por lá. Certo. Pra mim, chega. Espere, mais tarde nós vamos. Aí foi que ele disse, não foi no princípio, quem ia advinhar? Deixe, vejo depois. Sim, durmo de lado, com uma perna encolhida. O quê? É, quem diria. Acredito que sim. Boa tarde, como está o senhor? Pague duas, a outra fica para o mês que vem. Oh, há quanto tempo! De lata e bem gelada. Perdoe, não tenho miúdo. Estou com pressa. Como é que pode, se eles não estudam? Só peço que não seja nada. Estou com fome. Não vejo a hora de acabar isto, de sair. Já que você perdeu o fim-de-semana, pôr que não vai pescar? É um chato, um perigo público. Foi há muito tempo. Tudo bem, tudo legal? Gostei de ver. Acho que não, penso que não, creio que não. Acredito que sim. Claro, fechei a porta e botei o carro par dentro. Vamos dormir? É, leia que é bom. Ainda agosto e esse calor. Me acorde cedo amanhã, viu?

4

Ter, haver. Uma sombra no chão, um seguro que se desvalorizou, uma gaiola de passarinho. Uma cicatriz de operação na barriga e mais cinco invisíveis, que doem quando chove. Uma lâmpada de cabeceira, um cachorro vermelho, uma colcha e os seus retalhos. Um envelope com fotografias, não aquele álbum. Um canto de sala e o livro marcado. Um talento para as coisas avulsas, que não duram nem rendem. Uma janela sobre o quintal, depois a rua e os telhados, tudo sem horizonte. Um silêncio por dentro, que olha e lembra, quando se engarrafam o trânsito, os dias, as pessoas. Uma curva de estrada e uma árvore, um filho, uma filha, um choro no ouvido, um recorte que permanece, e todavia muda. Um armário com roupa e sapatos, que somente veste, e calçam, e nada mais. Uma dor de dente, uma gargalhada, felizmente breves. Um copo de ágata sem dúvida amassado. Uma cidade encantada, mas seca. Um papel de embrulho e cordão, para todos os pacotes a cada instante. Uma procuração, um recuo, uma certeza, que se diluem e confundem, se gastam, e continuam. Um gosto de fruta com travo, um tostão guardado, azinhavrado, foi sempre a menor moeda. Uma régua de cálculo, nunca aprendida. Um quiosque onde se vendia garapa, os copos e as garrafas com o seu brilho de noite. Uma gaveta, uma gravura, os guardanapos de chave e de parede. Um caminhar de cabeça baixa, atento aos buracos da calçada. Um diabo solto, uma prisão que o segura, um garfo e uma porta. Um rol de gente, de sonho com figuras, que passa, que volta, ou se some sem anotação. Uma folhinha, um relógio, muito adiantados. Uma hipermetropia que não deixa ver de perto, é necessário recuar as imagens até o foco. Um realejo que não soube aos sete anos, uma primeira alegria aos quatorze, uma unha encravada e um arrepio depois. Uma fábrica de vista, um descaroçador de algodão, uma usina com a tropa de burros, são os trechos de paisagem com e sem raiz. Um morto, uma dívida, um conto com história. Um cartão de identidade cinzento e uma assinatura floreada, só ela. Um lugar à mesa. Uma tristeza, um espanto, as cartas do baralho, passado, presente e futuro, onde estão? Uma resposta adiada. Uma vida em rascunho, sem tempo de passar a limpo.

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Não. Não foi o belo, quase nunca, nem ao menos o bonito, porque tudo se veio esgarçando em rotina, sombra com vazio. Não foi o plano, o projeto, a lucidez conduzindo, já que o mistério se fez magia e baralhou os búzios da vontade. Não foi o imaginado, o sonhado, mas a verdade miúda e comovida ser ter de quê. Não foi o tempo que abarca vastamente, não, deve ser o que se conta aos pedaços, recorta, em mesquinha soma, e medrosa. Não foi o prometido, o esperado, antes foram os enganos, os engodos, os adiamentos sempre roubos, pequenos e de importância. Não foi nada útil, ou de se repartir, apenas o de guardar para comer sozinho. Não foi o brilhante, de anel e de relâmpago, simplesmente a luz no vidro. Não foi o bom, foi o barato, não foi o alegre, foi o pouco a pouco, não foi o claro, foi o difuso, pois os encargos chegam logo, e se aprendem, e ficam. 
Não foi o momento certo, a maior parte aconteceu de repente, ou cedo, ou tarde, afinal não se repetiu. Não foi a viagem, a longa, larga viagem, de recordar, rever, que as paradas e os horários dividiram muito o roteiro, partiram, nublaram, não devolveram. Não foi o encontro nem a memória, não foi a paisagem nem o esquecimento, foi esse passar de pessoas e o seu reverso de imóvel que se isola e não fala, porque não adianta. Não foi a cidade mas a rua, não foi a figura mas a boca, não foi a chuva mas a calha. Não foi o campo, nem a mata, o morro, nem o rio, a relva, nem a árvore, nem o verde, foi a janela de trem, de carro, de longe. Não foi o livro aberto, a oração disfarçada, a primeira lição. Não foi a lâmpada, o linho, a lenda. Não foi a casa, o quintal, o corredor com portas e pé direito. Não foi o que vem de dentro, e sim o que bate, não se anuncia, e força, abre, e entra. Não foi o pacífico, o sem tumulto, foi até mesmo a guerra, ou melhor o combate, a escaramuça, perdidos de mãos nuas, limpas, as armas brancas. Não foi o amor, a certeza, o amanhã, foram as palavras que representam, a idéia de , o conceito, enfim, a sua redução. Não foi pouco nem muito, foi igual. Não foi sempre, nem faltou, foi mais às vezes. Não foi o que, foi como, e onde, e quando. Não, não foi.


Fonte: http://cesargiusti.bluehosting.com.br/Contos/textos/circuito.htm Acesso 25/03/2014




            Circuito fechado é um conto do autor Ricardo Ramos. Durante o conto, percebe-se que ele evita o uso de verbos. É preciso uma percepção aprofundada para captar a mensagem do autor. Nesse caso, é uma rotina limitada onde as coisas acontecem de um modo determinado por alguém. É uma rotina programada, em que a pessoa não é livre para realizar o que deseja.

           Isto significa que as possibilidades de expressão não têm liberdade e giram em torno de eixos de contenção. Não há garantia de nada, os fatos são breves porém o círculo vicioso continua. O espaço presente no conto são todos os lugares que o personagem(sociedade) frequenta para realizar as ações.

18 comentários:

  1. muito bom o texto circuito fechado 3 e 1 ja trabalhei esses textos na escola os outros ainda nao consegui ler mais vo agorinha ler os outros.obrigda

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  2. Interessantes. Não conhecia nenhum dos textos acima.

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  3. gostei, mas poderiam explicar de forma mais clara?

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  4. qual o tempo cronológico da narrativa? e os espaços?

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  5. Me ajudem com uma questão não consegui ...Por favor me ajudem ..
    1. Algumas repetições no texto chamam a atenção do leitor.indique uma dessas repetições e sua função no texto?????

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    1. eu sei a resposta e vou te responder a gora!!!!!!!!!!!!














































      IRINEU VOCÊ NÃO SABE NEM EU!

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  6. Apesar de à uma primeira vista, parecer apenas um 'amontoado de palavras' aleatórias, esse trecho descreve uma rotina diária de uma pessoa, onde podemos perceber isp pela presença de coerência ligadas as palavras usadas, que como já foi dito, à uma primeira vista parecem aleatórias! Apesar do entendimento implícito que se trata de uma rotina, sua identificação pode parecer um pouco mais difícil pela ausência da coesão, que nada mais é do que artifícios gramaticais usados para entrelaçar as palavras ali escritas com a ideia que se deseja transmitir, com o intuito de que sua leitura seja objetiva e de fácil entendimento, que por sua vez, apesar de importante a coesão não está obrigatoriamente condicionada a coerência. Sendo assim, o trecho apresenta coerência, porém não apresenta coesão!

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  7. Ele repete várias vezes o uso da caixa de cigarro e da caixa de fósforo

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  8. Nesse texto, ha conectivos, há sentido no texto E um texto pode não ter coesao, mas nunca pode ser incoerente. Vc concorda com afirmação? Justifique sua resposta,

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  9. Gostaria de saber qual a classe gramatical usabda no texto

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  10. Goxtey mais as resposta seria bom colocarem tanbm

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  11. Quais são os substantivos comuns de Ricardo Ramos

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